segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O dia que conheci "Renato Russo": um texto sobre a peça!

Foto: Marina Sobrinho(Jey Jey)






Ele sentou na cadeira e começou a tocar o violão. A platéia que já conheceu de cara a melodia arriscou a bater palmas. De olhos fechados ele cantou: “estátuas e cofres e paredes pintadas ninguém sabe o que aconteceu”. As palmas descompassadas aumentaram e para surpresa geral, ele parou de tocar e questionou: “Vocês não sabem bater palma gente?”.
Muitos, sem graça, cessaram as batidas e fizeram silêncio. Outros, mais descontraídos deram gargalhadas e percebendo a surpresa do público, o ator soltou a pérola: “Tudo bem, não é obrigatório bater palma. Mas se baterem, vou marcar com o pé e sigam no ritmo”.
Ele começou a cantar para os pais e filhos ali presentes e as palmas, felizmente, seguiam em uníssono.
Não muito distante do palco, havia uma estudante entre tantos outros jovens e adultos naquele teatro. Não acreditava no que meus olhos estavam vendo. Quem estava ali afinal: era ele mesmo? A roupa era idêntica a que o cara usava nos shows. Shows esses que assiti pelo DVD já que não acompanhei o trabalho dele, por ser muito nova na época para entender que país é esse. Mas o rapaz morreu, oras como poderia estar ali ???
Respondo dando meus parabéns aos atores que nos fazem acreditar, mesmo por alguns minutos que, são de fato, o personagem que interpretam. Mesmo a razão me dizendo que era o ator Bruce Gomlevsky que estava ali eu resolvi, naquele momento, me iludir que estava de cara com o cara! Afinal eram muito parecidos tanto no físico, como no jeito de cantar e falar.
Que sonho! Mas não estava dormindo, os olhos estavam bem abertos para acompanhar cada cena, cada mudança na iluminação e no cenário, além da banda que tocava atrás no telão e que, aparecia em um ato e outro conforme seguia a biografia de Renato Russo no espetáculo.
A "peça-musical" era uma mistura de show com monólogo biográfico. História essa narrada não apenas no discurso do ator, mas de forma implícita na mudança de cenário, quando um cidadão exótico com roupa de couro aparecia no palco trazendo algum objeto que nos fazia viajar no tempo com Renato.
A primeira vista um garoto de 15 anos que amava os Beatles, Bob Marley, Janes Joplin e tantas outras figurinhas do cenário do rock mundial. Na adolescência, as turbulências, o desejo de se isolar de todos na contradição de querer abraçar o mundo com sua música, e acordar com a guitarra, a adormecida geração coca-cola. De repente, viajamos no tempo mais uma vez e ele surpreende a platéia abordando uma moça, que se encontrava na cadeira em frente ao palco.

“Qual seu signo?”- questionou.
“Aquário”.
“E seu ascendente?”
“Que?”, devolveu.
“As-cen-den-te”- devolveu de forma irônica quase soletrando a palavra
“Não sei”- respondeu a jovem, timidamente


Perguntou para várias pessoas, mas ninguém parecia se interessar por horóscopo. Aí o "Renatão" brincou: “Pô ninguém entende de astrologia nessa cidade?!. A música que eu vou cantar pra vocês, eu fiz pra uma amiga que era de Leão e não acreditava nessa história de signo”.
A melodia já fez a platéia reconhecer a música de cara e logo seguia o coro de “Eduardo e Mônica”, apesar de o público esquecer uma parte da letra e Renato chamar a atenção por isso. Porém ninguém ligava mais com os deboches do cantor. Quanto mais ele improvisava, mais o público gostava.
O rapaz foi crescendo e, com ele, novas descobertas: o uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas, novas músicas, shows, além de assumir publicamente a homossexualidade. “O cantor é o artista do pão e circo. Somos o contrário da política, apesar de fazer política de um jeito diferente”, alfinetava.
Os holofotes iluminaram os músicos atrás do telão, uma forma de anunciar o recém-formado Legião Urbana.. Engraçado que eu sempre disse, na piada, que um dia iria no show do Legião. E realizei o sonho, mesmo no simbólico, mas tá valendo, pelo menos na intenção.
De repente, garrafas caíam no palco em reprodução a um show que ocorreu em Brasília onde a banda fora vaiada. O vocalista, ao fazer um protesto do protesto disse a multidão: “Estamos do lado de vocês. Não temos culpa do que acontece nesse país louco. A culpa é da ignorância”.
As vaias continuaram e ele finalizou:
“Pára o show, pára o show, vamos embora. A gente não tá aqui para levar garrafada na cabeça”.
Show encerrado e, no outro ato aparece o ator dialogando com a própria consciência, ao se preocupar com supostas vítimas devido a ignorância de um país mesquinho e cheio de problemas. Ele afirma para si mesmo na certeza de que é possível fazer uma arte de massa, que toque o cotidiano das pessoas: questões ligadas a falta de emprego, violência, desigualdade social e o amor. Esse último o rapaz ainda não sabia o que era. Afinal o que era o amor? Teria ele amor próprio?
Entre um telefonema e outro, além de processos movidos contra o Legião devido ao fatídico show do qual morreram fãs em conflitos com a polícia, o cantor descontente com a violência em seu país muda-se para Nova York.
Lá experimenta novas drogas e, conhece Scot, a alma gêmea ianque. Após aventuras, desventuras, paixões súbitas e recíprocas Renato volta ao Brasil, diante do novo cenário político no país: o impeachmente de Fernando Collor. O cantor rompe com Scot, além de reconhecer o filho “Juliano’ a ele mesmo e aos pais. Para emoção geral começa o solo da música "Índios" cantando sobre o ouro roubado e a ilusão de uma amizade perdida.
O tempo foi passando e, o cidadão da roupa de couro preta retorna ao palco e entrega um envelope a Renato. Ele apertou o papel e o “sangue’ que saia dali era a metáfora para anunciar a doença que ele havia pegado: AIDS.
Mais velho, mas ainda jovem ele mostra o desejo de cantar, de não desfalecer em frente ao obstáculo que ameaçava sua vida. O telão mostrava as ondas no mar e muitas pessoas já esperavam ele cantar “Vento no litoral”.
“Drogas e bebidas são armas da solidão, não preciso mais delas”. E ele começa: “de tarde quero descansar, chegar na praia e ver se o vento ainda está forte”, e acena a platéia.

E todos deram adeus a Renato Russo.

Naquela hora eu já quis acreditar que era Bruce Gomlevsky que estava ali. Foi difícil conter as lágrimas. Depois do bis, ele retorna e joga as famosas rosas vermelhas. Cena aquela que eu tinha visto apenas na tv e estava acontecendo ali na minha frente, não era sonho.
O espetáculo acabou e me reuni com alguns amigos para dar um oi e, quem sabe, tirar uma foto com o cara que há minutos atrás nos fez acreditar que era realmente Renato Russo.
Instantes depois ele saiu pelas portas do fundo do teatro e com tímidos “nossa cara, parabéns” Bruce sorriu e conversou com os jovens ansiosos.
Ali ele não era mais o Renato, e nem agia como tal. Já falava com sotaque carioca dizendo que a turnê foi encerrada em Goiânia e, que, no dia seguinte a equipe iria retornar ao Rio de Janeiro. Com as fotos tiradas e autógrafos nas mãos, o bom senso me chamava de volta a realidade. Mas, quem disse que não conheci o cantor do Legião Urbana????Fico me perguntando o que ele iria dizer se visse uma peça dessas lá do outro mundo.
Talvez até já tenha visto e tenha soltado pérolas de ironia ou deboche (como seu cover, ao brincar com a platéia).
Desde já peço desculpas por quaisquer análises precipitadas diante de meu relato leigo. Não pretendo a objetividade aqui e pra não dizer que fui exata, desenho por meio das palavras um coração que bateu mais forte diante de uma realidade tão perto, mas, ao mesmo tempo distante de mim. Afinal o Renato Russo ali não era o verdadeiro, fora baseado nele: são impressões de impressões.
A arte pode nos proporcionar os mais inesperados encontros. É ela que nos faz “viajar” e admirar as pessoas como seres humanos, independente de seus erros e defeitos. E “quem um dia irá dizer que existe razão das coisas feitas pelo coração”?!

Bemmmmmmmm, Renato Russo que o diga! Ou não?!

(Impressões sobre “Renato Russo: a peça”, direção de Mauro Mendonça Filho)

4 comentários:

Unknown disse...

Adorei Bia!Me senti, em instantes na peça sentada ao seu lado e fazendo aqueles comentários. Um texto muito bom!!!!

Leticia disse...

E eu lembrando num dia qualquer nossa volta da Faculdade, e você disse: "Quero ir ao show do Legião". E eu, numa vontade extrema de cantar Eduardo e Mônica, Pais & Filhos, e tantas outras músicas, já queria saber se tinha data marcada. rs

Num impulso percebi que aquilo não se tratava de uma vontade repentina de sair, mas de ouvir e me deliciar com letras loucas, subjetivas, na companhia de uma louca escritora ...

Excelente texto, Bia!

Anônimo disse...

Deu vontade de ser adolescente de novo.

=D

beijinho!

Julliene Gomes disse...

Nossa, Bé! Que texto massa! Em sua viagem consegui viajar junto. Adorei teu dom de passear com as palavras e falar um pouco do que o coração quer gritar...isso é o máximo. Também adoro! Mas confesso q ainda sou leiguíssima (se é que isso existe! hehehe)nesse assunto.
Minhas viagens são quase incompreensíveis, ainda.

=)

Parabéns! Texto massa!