Fronteira
Aos poucos, tudo o que parecia utópica certeza torna-se óbvio.
Concreto. Sagrado.
Tudo está em seu devido lugar.
Em breve, a saudade do que hoje julgo como nostálgico, monótono ou até mesmo insuportável.
E o caminho antes tão escuso já faz sua própria trilha.
[E assim os passos são dados]
Apesar das pegadas não revelarem seus verdadeiros andarilhos.
in pulso
O pólen emana das palavras ternas
que não conseguem contemplar a fuligem desses versos.
É dia, mas a lua já se faz presente. Exata, suscinta, fria.
Numa rude-rede inóspita de simetrias.
As portas entreabertas apontam uma fresta.
À margem do fluxo. Energia funesta.
O que é visto no calor dos olhos não é registrado em máquinas mortas.
As ruas já se calaram.
E são nas esquinas que as perspectivas se encontram.
Em um silêncio que se faz presente em todos os caminhos.
E assim percorrem na trilha da pronúncia.
No impulso que enaltece o velho motor de minúcias.
[tues é day]
"Plagiaram o abrealas de uma canção",
escarrou o cretense num gogó que sibilava
notas ocas numa ostra melódica.
Rasgou-se a partitura.
O míope não consegue ler a tabladura,
mas embanana em pop banal.
Já saquei qual é do zepelin,
mas o floyd é o sigma surrealense
[de seu mapa astral]
Enquanto fá-zem só-los si-nistros na guitarra rouca,
corre solto o berimbau do maestro
[sob o mastro quebrado]
dos meso-sopranos pigmeus na zona franca de Mainz-Maus.
Post Scripitum
Ao cubo apenas em prosa digo. Apesar de muito aquém do vocabulário erudito, repito.
Se não for história entediante pode discursar, fidalgo errante.
Pois a mim só cabe seguir adiante com rimas óbvias. Infantes.
Na retaguarda se retrai a poesia.
Com a (ins)piração foi embora a luz do [tedioso] dia.
Sem idéia, sem saídas. Quem diria...
Mas, calma. Prossigo então com a última tentativa.
Não adianta, a rima se esquiva.
Alguém me sopra um verso, uma brisa ilumina a mente à deriva.
Entra a rubrica[ voz de lástima].
"Que revés reler os versos do verso da página".
[Engavetados. Por B.M. Devaneios Madrugadísticos]
quarta-feira, 14 de julho de 2010
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Alívio nada imediato
- Por que as coisas são como são?
- Porque se elas fossem do jeito que a gente quisesse que fosse você também me faria essa mesma pergunta.
- E se elas fossem como deveriam ser?
- Perderia a graça.
- Mas a graça não está justamente naquilo que dá certo?
- A graça está naquilo que você acha que deu errado.
- No meu caso deu errado mesmo.
- Então espera.
- Esperar por quem?
- Pelo tempo.
- Mas não é o tempo que tô esperando.
- Porque se elas fossem do jeito que a gente quisesse que fosse você também me faria essa mesma pergunta.
- E se elas fossem como deveriam ser?
- Perderia a graça.
- Mas a graça não está justamente naquilo que dá certo?
- A graça está naquilo que você acha que deu errado.
- No meu caso deu errado mesmo.
- Então espera.
- Esperar por quem?
- Pelo tempo.
- Mas não é o tempo que tô esperando.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Arrivederci Bahia!!!!!
Estava dispersa, olhando a cidade de destino, após 1700 km rodados. De início já pude perceber o contraste social. Do lado direito as favelas, do lado esquerdo luxuosos prédios. Sem mencionar o trânsito maluco, apesar dos motoristas não aparentarem estresse. Muito pelo contrário. Essa palavra desapareceu do meu dicionário mental e psicológico nos dez dias de viagem. Certa vez ouvi uma frase que tem um certo sentido “a Bahia não é um estado somente. É um estado de espírito”.
Presa nesses devaneios não havia percebido um outdoor que chamou a atenção do meu irmão logo de início. Ele começou a rir e perguntei o motivo da piada.
- “Nem na avenida você consegue 12 horas de Rebolation”, disse ele todo risonho.
- Ah de certo deve ser show daquele pessoal de axé, não é?! [questionei, ingênua].
- Também achei. Mas é propaganda de motel!
Meus pais também caíram na gargalhada.
- Realmente. Estamos em Salvador, completei.
Eu que, até então, achava engraçada a intertextualidade da propaganda não sabia que o tal do “Rebolation” iria se repetir tantas vezes na viagem (me refiro à “música” já que o termo aqui pareceu ambíguo). Uma canção torna-se perigosa aos ouvidos quando a repetição incessante faz o próprio cérebro executar a letra sem a ajuda de um equipamento de som. Torna-se biologicamente automático. Uma armadilha, ou quem sabe, ironia da própria (in) consciência. Não adianta. A a tal da musiquinha está lá, martelando na cabeça.
Mas no dia que a gente, de fato, esquece que esquece a coisa cai no ostracismo e ninguém se lembra mais da onda que passou. Ainda bem. De um caldo desse eu quero é distância.
Porém uma coisa é certa. A tal da propaganda é algo intrigante. Trocadilhos agem no psicológico do cliente. A tríade explícita no outdoor “motel-carnaval-axé” é uma mistura, no mínimo, explosiva.
Provocações a parte, retornemos à viagem antes que a pessoa que escreve essas notas resolva fazer outros tipos de viagem que deixem o leitor avoado ou desinteressado por essas linhas.
Logo no primeiro dia reencontrei uma amizade de congresso. Uma carioca de nascimento, criada em Salvador que tive a oportunidade de conhecer em um encontro estudantil no Rio de Janeiro. Dois anos depois de conversas virtuais [já que ligação interurbana é financeiramente inviável], o reencontro.
À noite fomos à Barra, um bairro de classe alta de Salvador famoso pelos barzinhos. Também é o local onde passam os trios elétricos do carnaval, um circuito de quatro quilômetros que começa na Barra e termina no bairro de Ondina[ daí o nome circuito Barra-Ondina]. Minha colega, com sua hospitalidade fora de sério foi nos buscar no hotel [ meu irmão e eu].
Com ela estavam o namorado, um amigo e o irmão dela. Todos muito gentis e animados (é claro). Depois de uns vinte minutos de carro(o hotel onde estávamos ficava a 23 km do Centro, para se ter uma noção da distância das coisas) chegamos a um barzinho que nem os meus amigos da Bahia sabiam o nome. Mas conheciam o garçom o que denunciava o fato de serem freqüentadores assíduos do local. Sempre gosto de conhecer pessoas de outros estados. Seja pelo sotaque, pelos contrastes culturais, além do aprendizado mútuo.Fiquei intrigada com o fluxo de pessoas que desciam a ladeira do bar.
- Que vai ter ali?, perguntei.
- Ah, vai ter Lavagem.
Logo, questionei com meu “goianês”:
- Uai. Cê tá falando da famosa Lavagem do Bonfim? Como assim?
Perguntei atônita já que a famosa Lavagem das escadarias do Bonfim ser realizada na primeira quinzena de janeiro. Uma celebração muito famosa da Bahia que reúne elementos do catolicismo, umbanda e candomblé. Só que
era 5 de fevereiro.
- Ah, não-disse o namorado da minha colega risonho.
- Essa “lavagem” aqui só leva o nome famoso. Certo dia nego resolveu fazer lavagem com cerveja, em vez de água e olha o que virou. Povo aqui inventa motivo pra fazer festa. Se não tem nada, faz lavagem.
Naquele momento percebi que a conversa iria render.
Tive uma reflexão semelhante com a metáfora do outdoor. Como disse Lavoisier “nada se cria, nada se perde tudo se transforma”. Chacrinha [isso mesmo, o Chacrinha] talvez seria mais enfático nessa análise ao se inspirar, ou melhor, “copiar” uma das frases “científico-filosóficas” mais ditas na história. “Nada se cria...”. Bom, o resto da frase vocês já sabem.
- Mas e aí, prosseguiu o namorado da minha colega.
Lá em Goiás vocês fazem “bate e volta”?
- Bate e volta?
- É. Aqui tem muita festa no interior. E pra nego ir e voltar dirigindo de fogo depois da Lei Seca não dá. Daí a gente junta uma galera, entra num ônibus, vamos pra festa, dormimos num lugar e voltamos no ônibus.
- Então deve ter muita empresa que faz isso aqui né?!, questionei.
- Xii, se tem!
Meu irmão já soltou a dele:
- Uai lá em Goiânia não tem isso não. Se abrir uma empresa assim lá fico rico.
Meus instintos capitalistas que até então estavam adormecidos acordaram com apetite voraz. Mas depois passou.
- Cara, se a gente ganhar dinheiro com isso lá você merece uma comissão pela idéia, brinquei.
Se, por acaso, algum leitor resolver fazer o mesmo me procure para conversarmos depois. Plágio do plágio do plágio sem comissão, não rola.
[Brincadeira minha gente, só pra descontrair um pouco].
Lá pelas duas da manhã [no horário baiano] deixamos o barzinho. Minha amiga tinha que acordar cedo no dia seguinte. Pagou a conta, nos deixou ‘em casa” e fiquei até sem graça com tamanha hospitalidade. Bateu até saudade daquele dia e dos interlocutores. Porém suspendo o momento nostalgia para relatar um outro dia de passeio que foi muito interessante. O tour pela Bahia Histórica. Nós que, fomos de carro, preferimos o pacote da empresa turística. Passeio histórico é bom mesmo quando se tem alguém explicando o porquê de tudo. Mesmo que os porquês da história do Brasil serem transmitidos a partir de um viés oficial. Mas não deixa de ser informação. E o primeiro passo para se refutar, questionar, ou entender qualquer acontecimento é o acesso a informação.
Nosso guia era um baiano baixinho e muito simpático, o Nivaldo. Iríamos passar pelos pontos turísticos mais visitados e famosos de Salvador: Cidade Baixa, o Elevador Lacerda, com a vista do Mercado Modelo, um local basicamente freqüentando por turistas. Na Cidade Alta passamos pelo Pelourinho, o local, que no passado se “comercializavam” os escravos. Uma vergonha. Hoje o local, colorido, cheio de lojas, igrejas históricas e música é uma paisagem muito diferente daquela do passado. Ainda bem! Confesso que foi o local que mais gostei de Salvador.
Não por acaso, o leitor talvez tenha lembrado do clipe que Michael Jackson gravou no Pelô com o Olodum. Vale a pena rever no youtube depois. O batuque do Olodum é batuta.
Na ida para o passeio o guia nos atentou que entrariam mais três passageiros. A van parou próximo ao porto e os ouvidos puderam reconhecer o idioma francês, apesar de não entender uma palavra do que eles diziam. Eles compreendiam inglês, mas queriam um guia que dominasse o francês,exclusivo pra eles. Vejam bem, exclusivo.
Nivaldo, nosso guia simpático ficou desesperado. Disse que seu francês escasso não seria suficiente para se aprofundar nas explicações históricas. Entrou em contato com a agência e depois de várias ligações que não apontavam soluções ele resolveu arriscar:
- Quer saber?! Nos dias de hoje a gente tem que falar Francês mesmo não sabendo.
Os turistas brasileiros riram e os franceses ficaram com cara de paisagem.
No decorrer do passeio percebi que Nivaldo falava um francês fluente, só faltava, digamos um “empurrãozinho” para descobrir algo que só ele não sabia. Há imprevistos que vem pra bem.
No final do passeio ele brincou. “Meu Deus nunca gastei tanto meu Francês como hoje”. E que bom que tudo deu certo.
Quando subimos no Elevador Lacerda, Nivaldo apontou para um prédio bem alto. Olhem lá.
- Aquele prédio ali é a casa da Ivete[Sangalo]. Ela comprou dois. Um é a residência dela, o outro virou estúdio. Cada um custou um milhão de euros.
Ouvi só os “óoos” dos turistas [brasileiros e franceses]. Fiquei me perguntando quantos “óoss” Messier Nivaldo ouvia diariamente.
No outro dia seguimos pela Estrada do Coco para conhecer a Praia do Forte, situada a 60 km de Salvador onde se encontra uma das sedes brasileiras do Projeto Tamar. Antes, por conselho de minha colega baiana, passamos em Jacuípe para admirar o ponto de encontro do rio com o mar. Um espetáculo belíssimo. Dava pra notar o contraste das cores na água que estava uma verdadeira calmaria. Como turistas tiramos fotos é lógico, e depois dos flashes chegamos na Praia da Forte. Lá existe um vilarejo com muitas lojas de artesanatos, roupas, além de luxuosas pousadas. Ficamos uns quinze minutos procurando o mar, e a sede do Tamar e percebemos que outros turistas que também arriscaram a ir por conta própria estavam perdidos. O jeito era deixar o carro em um estacionamento privado e perguntar ao vigia onde estava o tal do projeto. Finalmente chegamos e lá encontramos uma guia que, ao longo, de quarenta minutos nos explicou os objetivos do projeto, como é o acompanhamento e monitoramento das tartarugas e de outros animais marinhos. A sigla Tamar é a abreviação de “tartaruga marinha”. De tanto ouvir a sigla em programas de televisão nunca tinha parado pra pensar no que significava a abreviatura, por mais óbvia que possa parecer. Lá vimos e conhecemos várias espécies de tartarugas.
- Elas chegam a viver por oitenta anos. Eu vou embora e elas ainda vão ficar aqui, brincou a guia.
Lá os biólogos tem um local exclusivo, uma “encubadora” de tartarugas[peço desculpas pelo vocabulário leigo]. Os ovos ficam enterrados na areia até o período da desova. A temperatura da areia que define o sexo do animal. Se estiver mais quente, fêmea, do contrário, macho.
Quando nascem as tartarugas ficam em cativeiro por um período de 40 dias. Depois, são substituídas.
- São bonitinhas, elas. Muitos turistas que vêm aqui ficam com pena porque a cada 1000 dessas, apenas duas sobrevivem. Mas temos que liberá-las pro mar, senão há um desequilibro da cadeia alimentar.
Fiquei pensando se alguma daquelas miniaturas fofinhas iriam sobreviver aos predadores marinhos. Mas fazer o que. A natureza tem suas próprias leis.
Apenas algumas delas são mantidas em cativeiro. O objetivo é estudá-las, fazer o acompanhamento além de divulgar o projeto a sociedade.
- Só nesse caso. Quando encontramos um animal ferido cuidamos dele por poucos dias e liberamos pra natureza. Eles não podem e nem conseguem ficar aqui, explicou a guia.
Depois fomos ver o tanque dos tubarões lixa. Acho que tenho medo de tubarões devido aquele famoso filme do Steven Spielberg. Freud explica meu trauma de tubarões.
- Esse tubarão aqui é mansinho. Ele não tem dentes. Mais tarde vamos fazer a alimentação deles e quem quiser retornar pode passar a mão e interagir com o animal.
Já soltei um “Deus me livre” e mal dei conta de ficar olhando pro tanque. Preferi me interagir com um bicho mais light, uma arraia[ sem ferrão] e já fui logo colocando a mão no bicho. Gostei da experiência até o momento que um turista engraçadinho gritou um “Ai” atrás de mim. Por instinto de preservação tirei a mão do bicho imediatamente.
Minha mãe resolveu pegar em um ouriço, mas o animal começou a mexer nas mãos dela e seu instinto de preservação a fez jogar a parte dos espinhos
em cima de mim. Ainda bem que pegou de leve.
O que mais me chamou a atenção no Tamar é a parceria do projeto com a comunidade. A guia, por exemplo, uma jovem de uns vinte e poucos anos, no máximo, é nativa e sempre participou das atividades de preservação e acompanhamento. Até que um dia a convidaram para participar como guia efetiva. A maior causa das mortes das tartarugas marinhas que chegam a idade adulta é a poluição. Uma vez por ano a comunidade se reúne com os biólogos, estagiários e especialistas do projeto para remover o lixo das praias. No ano passado, em apenas um dia, foram retiradas meia tonelada de lixo. Além disso,a comunidade confecciona e desenvolve artesanatos que são comercializados na sede do Tamar. A guia nos informou que o dinheiro é todo revestido no projeto para manter e dar continuidade à preservação e acompanhamento das tartarugas.
Fiquei me perguntando como era feito esse acompanhamento, já que os biólogos deixam uma identificação no animal. Ouvindo meus pensamentos, a guia responde.
- A gente identifica com o número da sede e o local de origem. Recebemos informações através das outras sedes de acompanhamento ou então de pessoas que encontram as tartarugas e entram em contato com a gente. Dias atrás mesmo recebemos a informação que uma das nossas foi parar na costa da África.
Os turistas lançaram mais “óooss” e tentei imaginar quantos quilômetros a tartaruga viajante teria percorrido.
Nos despedimos da guia, do projeto e retornamos ao hotel. O próximo dia também iria render: um passeio de escuna a duas ilhas, percorrendo a Bahia de Todos os Santos. Mal sabia eu o quanto o dia seria divertido. Meu irmão que o diga...
Tomamos café e as quinze pras oito um guia nos aguardava. Começou a chover, para meu desespero. Logo pensei. “Poxa nos 10 dias de viagem, com temperatura média de 35º vai chover logo hoje?!”.
O guia, diante da cara de desapontamento dos turistas já foi aliviando a barra:
- Preocupa não gente. Isso é chuva de verão.Logo passa.
E, realmente, ele não estava enganado pra alegria total dos turistas.
O guia estava acompanhado de um motorista bem falante. Uma figuraça, que fazia uma ressalva após cada comentário do amigo.
- Olha gente essa história de que baiano não trabalha é um marketing muito forte. Quem vai querer passar férias num local onde todo mundo trabalha?!- brincou o guia, apesar de haver uma grande dose de convicção ali.
O motorista com sotaque baiano arrematou:
- Baiano não joga basquete. Porque jogam a bola na cesta e ela só cai no sábado.
Nunca fui fã de piadinhas maldosas. Mas a espontaneidade e a forma bem humorada de nossos locutores ao lidar com “pré-conceitos” causava risos na certa. Se Gilberto Freyre estivesse naquele ônibus a discussão renderia.
No caminho, passamos diante de dois prédios altos.
- Essas aí são as nossas torres gêmeas. Salvador Trade Center, adiantou o guia que deve falar essa frase repetidas vezes por dia.
Depois a discussão foi por conta do metrô da cidade, que está “em construção” há 15 anos. Um turista com sotaque sulista questionou:
- O metrô vai ligar a cidade de norte a sul?
O guia riu com gosto.
- São apenas 4 km a linha do metrô. Se ligasse a cidade de norte a sul demoraria uns cem anos pra ser concluído, brincou.
Realmente a demora para construção do metrô virou motivo de chacota entre turistas e nativos. Sua efetivação faz parte de uma lista de ‘pré-requisitos’ que colocam Salvador como sede da Copa de 2014. Além da finalização do metrô foi imposto a construção de novos hotéis, a revitalização da orla (que atualmente envolve uma queda de braço entre a prefeitura soteropolitana e o Ibama) e a reforma do Estádio da Fonte Nova. Nisso o guia lembrou de um episódio.
- Isso porque os vagões foram comprados. Mas quando foram colocá-los eles eram maiores do que a largura do trilho.
O motorista, que parecia ter uma resposta pronta pra tudo fez uma ressalva, indignado:
- Claro que alguém tinha que lucrar com isso né. Claro que tinha.
Meu pai completou.
- É, mas isso não tem só aqui.
E, infelizmente, ele estava certo.
Depois de muito papo a van nos deixou no porto. Quando entramos no barco “Mordomia” parou de chover. A bordo, 100 turistas. Uma percentagem boa de gringos: chilenos, principalmente, um grupo de três canadenses e alguns alemães. A trilha sonora era samba. Três cantores animaram uma hora e pouco de percurso até a Ilha dos Frades, nosso primeiro destino. No cardápio, frutas (que eram “de grátis”) e, claro, caipirinha (essa, por conta de quem ia beber). Os gringos, no início, tímidos, aos poucos foram soltando a ginga na medida em que a caipirinha subia a cabeça. Uma dupla de chilenos foi convidada a dançar no meio do barco e os estrangeiros estavam mais animados que os brasileiros. Os músicos foram chamando um a um e fingi não ouvir o pedido de um deles. Pra minha sorte passei despercebida, mas a vítima foi meu irmão que teve de rebolar, rebolar e rebolar. Fiquei rindo, mas me deu pânico se algum deles mudasse de idéia e me pedisse pra dançar. Nisso o samba ia correndo solto... e a caipirinha também. As pessoas cada vez mais animadas. Os caras cantaram tantas músicas que iam desde samba de raiz, a sertanejo versão pagode.
Paramos na Ilha dos Frades para banho de mar. A água uma calmaria. Por ser uma área de preservação ambiental é cobrada uma taxa de 55 [centavos]. A população é de 70, quer dizer, mais precisamente 73 habitantes porque, segundo o guia turístico, o carnaval do ano passado rendeu frutos. A população nativa sobrevive basicamente do turismo de artesanatos.
Ficamos um tempo na Ilha dos Frades e seguimos para Itaparica, a bordo do Mordomia. Nisso o samba e o álcool rolavam soltos para alegria dos turistas. Sentei na proa do barco e, ao meu lado, os três turistas canadenses. Muito bonitos por sinal. Um deles fez um gesto para que eu tirasse uma foto deles e depois soltou um “obrigado’ em um sotaque francês carregado. No sorriso, já regado depois de algumas doses de caipirinha um olhar implícito de terceiras intenções que acompanharia minha timidez no restante do passeio.
Depois de uns vinte minutos chegamos na famosa Ilha de Itaparica. Só que o número de habitantes é gigantesco em comparação ao outro povoado: cerca de 70 mil habitantes. Nos deram apenas duas horas para conhecer o local(isso já incluindo tempo de almoço). Chegamos em um restaurante bem bonito, decorado, com baianas vestidas de trajes típicos. O preço salgado já denunciava o abuso das empresas turísticas.
- Vamos almoçar aqui. É vinte reais por pessoa e a vontade.
Meu pai achou aquilo um absurdo e uma outra família de turistas sai imediatamente do restaurante ao optar por um “plano B”. Descobrimos que os turistas indignados eram nossos conterrâneos. A esposa do goiano falou:
- Menina tô doidinha por um churrasco. Cê não tá entendendo!
Depois de procurar e procurar achamos um restaurante simples com um preço mais acessível. Pedimos algo tradicional, arroz, filé, salada e feijão pra matar a fome. Depois as porções vieram e ao “saborear’ a comida vimos que aquilo não era filé coisa nenhuma. Mas a fome já estava tamanha que meu estômago não queria nem saber o que, de fato, estávamos ingerindo. Ainda bem que ninguém passou mal depois.
O mais cômico do passeio estava por vir. E seria justamente o retorno a Salvador. Como a maré estava baixa, o Mordomia estava um pouco longe da praia e fomos levados de bote. O samba continuava e os gringos, cada vez mais animados. Dessa vez sentei ao lado de dois chilenos. Diante de nós estava um outro chileno, super “animado” que beijava o rosto dos homens a bordo. E uma das vítimas foi meu irmão. Coitado!
O jovem chileno que não compreendia a letra das músicas ficava só balançando a cabeça. De repente seu conterrâneo animadinho começou com uma música clássica, para alívio de meu interlocutor gringo.
- Esa, yo lo conozco, disse o gringo animadinho que cantava junto com os cantores.
- “One Guantamera. Guarija one guatamera”.
Tive a impressão de que os cantores estavam falando “quanta lamera” ao tentar reproduzir foneticamente o som. Em “portunhol” arremetei pro meu colega chileno:
- Él es tu padre?
- Que lo dise? perguntou o gringo.
- Aquel hombre. Es tu pai? Es tu padre?
- Ahhh, no no. Lo conoci acá.
O portunhol parou por aí, porque o centro das atenções era o chileno. Quando me dei conta ele estava ao lado do meu irmão. O gringo que horas atrás exibia seu inglês fluente com os turistas parecia ter esquecido o idioma. Resolveu falar uma mistura de italiano, com espanhol e sei lá o que. Pelo visto ele tinha acabado de inventar uma nova língua, que só ele entendia.
Ele nos perguntou de onde éramos. Disse que era de Goiânia.
- Goiânia?
- Si. Goiânia. Una ciudad cerca de Brasília- arrisquei no portunhol.
- Brasília?- repetiu o chileno tonto.
- Si Brasília. La capital, arriscou meu pai.
-Goiânia es cerca [perto]de Brasília, eu disse tentando estabelecer algum tipo de analogia.
- Ya, lo sé.
- Que é lo sé?- perguntou meu irmão e só depois que fui perceber que o gringo tinha entendido a referência.
Nisso ele perguntou pro meu irmão se ele tinha ido à Itália.
Disse em italiano e não compreendemos nada.
- Italy. Have you ever been to Italy?
Meu irmão já percebendo que o assunto não tinha um pingo de sentido já foi soltando um “Nice to meet you”.
O chileno devido a sua aminésia recente do idioma ianque, perguntou:
- Nice to meet you? Que significa?
- Mucho Gusto, traduzi.
- Ah si. Mucho Gusto. Arrivederci, despediu o chileno.
- Adiós, disse meu irmão já fugindo de seu fã declarado.
Quando nos demos por conta o barco já estava de volta ao porto de Salvador. Olhamos para o lado e vimos imensos transatlânticos que já denunciavam a gorda
conta bancária de seus passageiros. Recebemos a informação que cerca de que 15 mil turistas que iriam ao Carnaval viriam através dos cruzeiros.
Quando desci da embarcação tudo parecia rodar.
Pensei “Uai até onde eu saiba não bebi um gole sequer de Caipirinha”. Olhei pro lado e percebi que todos pareciam tontos também. Afinal ficamos quase uma hora e meia a bordo. E devido a chegada dos transatlânticos a água agitava por baixo da ponte de madeira.
A preocupação de todos era o tal gringo que cantava “Guantamera” há minutos atrás. Mas por mais incrível que possa parecer ele era o único, vejam bem, o único que não tinha sintomas de tonteira.
O jovem chileno que conversava comigo há pouco já amenizou.
- No te preocupes. Él está sacando una foto, hã?!
Olhei pro gringo e, aparentemente, o cara nada tinha de "bebum". Estava mais equilibrado do que qualquer um ali, tirando fotos dos outros turistas.
Ri comigo mesma e pensei “cada uma, vai entender” e retornamos ao hotel, depois de muito congestionamento no trânsito devido a movimentação pré-carnaval.
E com todas essas lembranças na cabeça finalizo essas linhas que retrataram uma pequena porcentagem do que foi esta viagem. Isso porque não contei da primeira noite de carnaval e da Lavagem [no sentido tradicional] que ocorreu no hotel. Mas fica para uma próxima.
Agora, apenas fica a vontade de retornar um dia a Salvador. Não que tenha sido melhor que os outros passeios. Mas não posso negar que foi única. As fotos falam por si e talvez essas linhas também. O jeito agora é programar o próximo destino turístico. Como sempre, na volta a máquina fotográfica com a memória lotada de fotos, artesanatos e é claro várias fitinhas do Bonfim. Uma delas deixei lá mesmo na Igreja[acompanhada de outras milhares que ficam nos portões. De certo quase ninguém tem paciência de ficar com uma fita amarrada no braço por muito tempo]. Quem sabe no dia que eu voltar ela ainda esteja lá. Acho que não, seo o pedido for realmente concretizado.
Arrivederci,hasta luego, Bahia!
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Diálogos em série
Dorinha, recém-formada em Jornalismo está tranquilíssima em seu quarto quando recebe uma chamada telefônica. -Alô?!- atende a garota efusivamente.
- Diz aí minha Che Guevara com curvas.
Dorinha já conhecia aquela voz aguda do outro lado da linha. Era Rita, a fiel e tagarela amiga de infância.
- Xi nem vem com Che que estou mais pra Dom Quixote no momento (responde Dora automaticamente).
- Aham. Então você resolveu largar as notícias de jornal para ler romances de cavalaria e sair pelo mundo?! Cuidado viu meu bem, estamos no século XXI te recomendo um carro, uma poupança recheada e um singelo aviso: crime organizado não é moinho de vento!!!
- O que faz uma bacharel em matemática elaborar trocadilhos literários em plena luz do dia???
- Ahh, nada liguei só pra dar um oi mesmo.
- Então tá. A gente se fala mais tarde no MSN então.
- Mas pra que? A gente não mora no mesmo prédio?!
- Pior... Mas por que você não vem aqui então?!
- Preguiça de descer aí.
- Pra descer ou subir, qualquer elevador ajuda (responde Dorinha rindo). Como você mesma falou... estamos no século XXI.
- É, mas o elevador tá estragado!
- Ah, tá fazer o que né?!
- É, fazer o que. Ia recomendar você vir pela escada, mas estão limpando o chão e seu Rocinante pode escorregar.
- Antes um Rocinante do que uma La Poderosa velha e estragada.
Acabam os créditos de Rita e Dorinha fica com preguiça de retornar a ligação. Olha pra tela do computador e vê uma janelinha piscando.
Moral da história: Não precisa estar perto para estar longe e vice-versa.
terça-feira, 14 de julho de 2009
Chapeuzinho na impensa goiana
Esses dias recebi um email bastante engraçado com o título "Chapeuzinho Vremelho na imprensa". Trata-se de uma paródia à linha editorial dos jornais e programas televisivos brasileiros. Inspiradas nas idéias do autor [ ou autora] do email acrescento as chamadas abaixo:
CHAPEUZINHO VERMELHO NA IMPRENSA GOIANA
O Popular: Na compra do jornal mais 9,90 adquira um DVD com cenas do resgate heróico de Chapeuzinho pelo lenhador ao som de Celine Dion
Jornal Daqui: Juntando 20 selos do jornal leve o machadão do lenhador para sua cozinha
That´s all, folks!
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Os "jogos" do futebol
Várias coisas acontecem ao mesmo tempo em uma partida de futebol. São 90 minutos, sem contar os acréscimos de muito suor, emoção, som de cornetas, charangas, bandeiras, tumultos e tudo mais.
Há vários jogos dentro de um só: o que acontece em tempo real, o fato em si, a transmissão do evento pela televisão (que também não deixa de ser um jogo), além do jogo psicológico, o mais interessante de todos.
Aquele que só o torcedor, movido pela paixão incondicional ao seu time enxerga. Pois bem, meus caros, exergar é bem diferente de ver. Pelo menos, se consideramos a intenção do verbo.
Quando um torcedor grita "juíz ladrão" ao reclamar um penâlti que ele jura que não aconteceu, ou quando solta um "elogio" para o bandeirinha que marcou um impedimento no momento em que o atacante selaria a partida com um golaço, podemos ter indícios de que existe esse tal de jogo psicológico. Este se manifesta de forma dual pelas torcidas, pelo próprio juíz ou bandeirinha de acordo com sua visão e ainda entra a leitura dos comentaristas do jogo que, a partir do VT legitimam ou não o ato do juíz, ou do infeliz do jogador que recebeu um cartão vermelho.
Futebol é algo complexo, minha gente.
Porém, além de todos esses ângulos não podemos deixar de expor e denunciar o jogo da safadagem[pra não falar outra coisa]. Corrupção também existe no futebol. E o torcedor fanático quando reclama por uma causa justa, logo já é encaixado como espectador do jogo psicológico, tido mais pelo ID do que uma dose de bom senso. Onde mora a verdade?!
Essa, meus caros, vai depender de qual jogo estamos falando.
p.s: escrita por alguém que observa mais a torcida do que o jogo de futebol em si quando vai ao estádio.
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Aprendi com o porteiro
Considero insensível dar as costas ao mar, conversar com alguém usando óculos escuros e fechar a janela do avião quando do lado de fora aparece aquela paisagem dignificante. Confesso que fico perdida quando alguém dialoga comigo e me deparo com uma lente escura em vez dos olhos que podem exteriorizar "energia', personalidade, emoções e tantas outras revelações... Ao mesmo tempo quem sou para condenar tais atitudes já que muitas vezes devo ter cometido atos "insensíveis" ??? O porteiro do prédio onde se encontra o Sindicato dos Jornalistas (de Goiânia) que o diga. São as pequenas coisas que fazem grande diferença no relacionamento com o "outro" seja nas relações profissionais, familiares, afetivas, de amizade, etc, etc. Voltemos então ao episódio do porteiro. Dias atrás, lá pelas sete da noite, estava eu no Centro de Goiânia para assistir uma palestra sobre o livro "O destino do jornal", de Lourival Sant´Anna. Avistei o prédio alto e, como não tinha certeza se ali era a sede do sindicato da minha categoria perguntei a um senhor que ali estava se realmente era o local que eu procurava. Ele me confirmou e, preocupada em chegar no horário marcado mal agredeci o sujeito pela informação e entrei praticamente correndo no elevador. Duas horas depois o evento terminou e lá vai a estudante embora pra casa. Na saída encontrei com uma jornalista que me cumprimentou com um "olá" e acenou para o senhor que havia me dado a informação momentos atrás. Animado com a atitude da mulher ele virou pra mim e desabafou: (Agora eu olhava diretamente nos olhos dele): - Sabe filha, de todas as pessoas que passaram por aqui apenas duas me cumprimentaram. Essa aí e aquele da bicicleta. Não vou esquecer o rosto dessas pessoas. Gente assim é raro viu?! Me sentindo a pessoa mais insensível e mal-educada do mundo engoli em seco e perguntei: -Nossa! Quantos anos o senhor trabalha aqui? -Mais de 20 anos filha. E olha que vejo gente de tudo quanto é tipo por aqui. Mas a gente que é simples nem parece gente! Mal olham na minha cara! Fiquei tão sem graça que soltei algo do tipo: "a correria desse mundo é tanta que nem consideramos mais as outras pessoas". O porteiro confirmou com a cabeça e, um carro estaciona e buzina. Era meu irmão, já estava na hora de ir embora. Me despedi do senhor, desejei boa noite e na pressa de ir embora, voltei pra casa sem saber o nome dele. Cheguei em casa e fiquei remoendo a cena na minha cabeça. Me lembrei das aulas de Antropologia sobre a tal invisibilidade social.Longe daqui em esteriotipar pessoas "invísiveis" como vítimas, afinal cada pessoa é um agente social cônscio e provido de direitos e deveres. Apesar de os livros nos ensinar tantas lições, nada melhor do que aprender com a vida, ou com os personagens da vida real. È fácil buscar bodes expiatórios para nossos problemas: a culpa é da pressa, da correria, da ansiedade, do mundo moderno. Mas são nessas imperfeições que a gente aprende, se descobre e evolui como pessoa. Nesse dia o autor do meu texto de estudo não foi um teórico da comunicação ou um professore da faculdade. Aprendi muitas coisas com o porteiro e acho que ele nem se deu conta disso! =D
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